tag:blogger.com,1999:blog-41486479960834411562024-02-20T16:00:34.057-08:00Blog do PessoaBlog do Pessoahttp://www.blogger.com/profile/04878002418877160642noreply@blogger.comBlogger1125tag:blogger.com,1999:blog-4148647996083441156.post-83438040376236926662008-11-19T03:31:00.000-08:002008-11-19T03:46:01.216-08:00Reparação poéticaNão há mais lugar para a poesia neste mundo. Não enquanto existirem advogados e o politicamente correto. Depois de longas batalhas judiciais, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa a uma associação de poetas que me acusou de difamar os que têm por ofício fazer versos.<br />Vocês devem se lembrar do poema que serviu para a acusação:<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Autopsicografia</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">O poeta é um fingidor.</span><br /><span style="font-style: italic;">Finge tão completamente</span><br /><span style="font-style: italic;">Que chega a fingir que é dor</span><br /><span style="font-style: italic;">A dor que deveras sente.</span><br /><span style="font-style: italic;"> </span><br /><span style="font-style: italic;">E os que lêem o que escreve,</span><br /><span style="font-style: italic;">Na dor lida sentem bem,</span><br /><span style="font-style: italic;">Não as duas que ele teve,</span><br /><span style="font-style: italic;">Mas só a que eles não têm.</span><br /><span style="font-style: italic;"> </span><br /><span style="font-style: italic;">E assim nas calhas de roda</span><br /><span style="font-style: italic;">Gira, a entreter a razão,</span><br /><span style="font-style: italic;">Esse comboio de corda</span><br /><span style="font-style: italic;">Que se chama coração.</span><br /><span style="font-style: italic;"> </span><br />Esse episódio vem me causando muito desassossego. Realmente, é desafiador fazer poemas dentro desses novos requisitos sociais. Mas não me resta outra escolha. Até porque a sentença me obrigou a reescrever o primeiro verso, que causou tanta celeuma.<br /><br />Alguns poetas, no intuito de transmitir certos sentimentos, podem, de certa maneira, simular algum desconforto ou dor que eles realmente não estão sentindo. Às vezes nem é por mal. É inconscientemente, mesmo. Só que essa simulação – repito que isso pode acontecer com alguns poetas, e não com a maioria – pode ser tão perfeita, mas tão perfeita, que esse desconforto ou dor passam a ser sentidos de verdade verdadeira por quem fabricou aqueles sentimentos não fabricáveis. Essa dor, inclusive, se persistir, deve ser examinada por um médico especializado. Pois bem: aquilo que tinha começado como uma dor de mentirinha e que depois virou uma dor de verdade, no fundo dos fundilhos era uma dor que já existia como dor, sendo que em nenhum momento o tal poeta dolorido sequer pensou em provocar dor em mais alguém a não ser nele mesmo. Coitado.<br /><br />Reconheço que perdeu um pouco da graça, mas ficou mais popular, pode até ser adaptado para uma mini-série da Record.Blog do Pessoahttp://www.blogger.com/profile/04878002418877160642noreply@blogger.com11